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Resenha: The Secret Garden (O Jardim Secreto) [romance]

8 de março de 2014

Olá, queridos e queridas! Antes de começar a resenha de hoje, gostaria de anunciar que é esta a última do blog. É, mas se porventura houver alguém chateado, já os deixo de antemão informados de que tenho um novo projeto de blog em mente. O fato de começar um novo blog era necessário, assim entendo, uma vez que pretendo reorganizar minhas leituras e modo de fazer resenhas. Aguardem, pois os manterei informados! Obrigada pela companhia por aqui. Espero contar com todos e todas nessa nova etapa! 🙂

O Jardim Secreto (1911), sendo um dos cinco últimos romances de Burnett e talvez o mais conhecido deles, foge do célebre plot rags to riches da época, estilo que a caracterizou, por exemplo, por A Princesinha, ou seja: nada de cinderelas infantis dessa vez. O Jardim demonstra uma linha de enredo bem mais instigante em relação à protagonista.

Mary Lenoxx é insuportavelmente mimada quando chega à suntuosa fazenda de seu tio, em Yorkshire, não sabendo sequer amarrar os próprios cadarços. Ela havia perdido os pais na Índia, em um surto de cólera, sem que isso lhe causasse qualquer abalo emocional, já que não havia convivido com eles. Agora, ela tem que descobrir-se novamente, num mundo que não lhe beija os pés, reaprendendo a viver num antigo casarão de cem quartos, no meio da charneca selvagem, cercado por jardins. Mary entra em choque ao saber que aquela será sua nova moradia, e seu espanto não é menor ao descobrir que os criados não estão dispostos a vesti-la todos os dias.

Ao conhecer Martha, que seria a substituta mais próxima de sua ayah, e seu irmão Dickon, garoto simples que aprecia o contato direto com a natureza, as mudanças íntimas e física de Mistress Mary começam a ser operadas. Mas é somente quando descobre, com a ajuda de um pintarroxo, a chave para o imenso jardim no qual a esposa de seu tio falecera e que permanecera trancado por anos que Mary e seu primo Collin, que até então vivera preso à cama por acreditar-se um “aleijado”, podem ressignificar suas vidas por completo.

Em relação à Princesinha, o estilo narrativo de O Jardim Secreto ganha outras nuances. Apesar de achar que, em alguns dos últimos capítulos, o romance se alongou além do que deveria, e de considerar bastante repetitivas as últimas falas relativas ao tema da força de vontade como “mágica”, percebi que a descrição torna-se mais rica e abrangente, até mesmo permitindo o tecido de uma  prosa poética sensível e pitoresca que toca o filosófico, como nesta divagação acerca do espírito das crianças em relação ao casal de pintarroxos que cuidava de seus ovos no ninho recém construído:

Até mesmo Dickon não chegou perto (…), mas esperou até que, pela silenciosa ação de algum feitiço misterioso, ele parecesse ter comunicado à alma do pequenino casal que, no jardim, nada havia que não fosse exatamente como eles próprios – nada que não compreendesse a maravilha do que estava acontecendo com eles – a terna, imensa, terrível, dolorosa beleza e solenidade dos Ovos. Se tivesse havido uma pessoa naquele jardim que não soubesse com todo o seu ser que, se um ovo fosse roubado ou quebrado, o mundo inteiro iria girar e cair no espaço e chegar ao fim – se tivesse havido alguém que fosse que não o sentisse e agisse como tal, não poderia haver felicidade nem mesmo naquele ar dourado de primavera. (p. 313 – tradução minha)

Arte de Tasha Tudor

Como minha segunda e mais apreciada leitura de Frances Hodgson Burnett, O Jardim Secreto foi com certeza um romance que teve muito a me ensinar, e deslumbrar.

Autora: Frances Hodgson Burnett
Ano da publicação original: 1911
Ilustrações: Tasha Tudor
Título no Brasil: O Jardim Secreto
Editora: HarperCollins
ISBN 13: 9780397321650 ISBN 10: 0397321651
358 páginas

Avaliação: Muito bom!

Comprar: Book Depository

Resenha: A Little Princess (A Princesinha) [romance]

7 de fevereiro de 2014

Desde adolescente, depois de conhecer a versão cinematográfica de O Jardim Secreto, era uma curiosa acerca da obra da inglesa Frances Hodgson Burnett. Na época, lembro que procurei, com os meios que podia, o livro em que o longa se baseou, sem sucesso. Parece que todos estavam esgotados, e como eu só lia em português, esqueci a ideia por um tempo. Somente no fim do ano passado é que me resolvi a comprar, nessa edição retrô do selo Harper Trophy, da HarperCollins, as duas obras mais conhecidas da autora: além de O Jardim Secreto (próxima resenha aqui do blog), também A Princesinha.

 O romance, cujo enredo foi inicialmente concebido numa peça da autora, narra uma etapa substancial da infância de Sara Crewe, filha de um jovem oficial viúvo. Ela havia nascido na Índia (país-tema recorrente na obra de Burnett) e nunca se separara do pai, mas agora se via obrigada a deixar sua companhia para viver no internato de Miss Minchin numa nevoenta Londres, lugar que não lhe parecia muito acolhedor, embora, por ser rica e elegante, recebesse tratamento especial. Inteligente, criativa e doce no limite do inverossímil, Sara se torna a aluna mais popular do internato, acolhendo em sua companhia meninas mais vulneráveis, até mesmo a criada da casa, Becky. O amor pelos livros e o talento para contar histórias faz de Sara uma atração.

Anos depois, no seu luxuoso aniversário de onze anos, preparado a mando do pai, Sara recebe uma carta através da qual fica sabendo que ele havia falecido sem deixar nada da antiga fortuna. A partir de então, Miss Minchin, revoltada com tamanho prejuízo, decide escravizar a mocinha para tentar recuperar o que havia perdido. As provações de Sara, outrora praticamente uma princesa, que passa então a dividir o horrendo sótão da casa com Becky, se sucedem uma a uma, cada qual mais amarga e cruel:

…ela havia sido privada de seu jantar, pois Miss Minchen havia decidido puni-la. (…) de dez em quando alguém gentil que passava por ela na rua a olhava com repentina compaixão. Mas ela não se apercebia disso. Ela seguia apressada, tentando fazer com que sua mente se centrasse em outra coisa. Era realmente muito necessário. (pp. 200 – 201, tradução minha)

Arte de Tasha Tudor

O plot que cumpre o percurso cíclico felicidade – miséria – felicidade me fez associar o romance ao clássico europeu da Cinderela de imediato. Acho que não é spoiler nenhum declarar que Sara Crewe tem, sim, seu desfecho de princesa que sempre fez de conta ser. Ninguém buscaria se surpreender muito ao ler uma obra de Burnett (será?). A linguagem é bastante simples, açucarada ao extremo em alguns momentos, culminando com frequência em explosões kitsch sentimentaloides (o que não chegou a me incomodar, visto que eu já previa o uso desse tipo de recurso).

Terminei o livro com a conclusão de que, comigo, ele só funcionaria antes que eu chegasse a uma certa idade, e de eu que eu já a havia ultrapassado há algum tempo. Ainda assim, achei a leitura bastante divertida. O que buscamos em A Princesinha é conforto, imagino; aquecer o coração com uma história clássica onde os bons serão recompensados e, os vilões, castigados. E isso Burnett sabe exatamente como nos oferecer.

Autora: Frances Hodgson Burnett
Introdução: Phyllis McGinley
Ano da publicação original: 1905
Ilustrações: Tasha Tudor
Título no Brasil: A Princesinha
Editora: HarperCollins
ISBN 13: 9780007203543 ISBN 10: 0007203543
324 páginas

Avaliação: 

Comprar: Book Depository

Sobre 2013… e expectativas para 2014

28 de dezembro de 2013

Pois bem, bibliófilos e bibliófilas… aqui estou eu, de volta, antes do fim do ano, como prometido no Facebook! 🙂

Pouco tenho a dizer sobre 2013, e esse pouco diz, ao mesmo tempo, muito.

Foi o ano em que mais negligenciei meu blog e minhas leituras (embora eu tenha agido assim constantemente nos últimos tempos…!), disso não tenho dúvidas. Embora, dessa vez, eu tenha algumas justificativas para isso: 2013 foi, de longe, o ano mais difícil da minha vida. E também o mais loucamente fantástico e recheado de fatos inesperados.

Enfrentei o que  havia de mais difícil para enfrentar. Consegui algumas das coisas mais difíceis de se conseguir, tomei as rédeas da minha vida e poderia levá-la para onde quisesse, mas o único lugar para onde eu queria levá-la estava, eu pensava, de portas fechadas. E 2013, que começou aos pedaços, vai terminar, pra mim, loucamente feliz. Tudo isso me deixou, no mínimo, tonta, para se ter uma ideia.

E, ao contrário de muitas pessoas que têm na leitura uma fuga do mundo, algo que não consigo entender bem como se dá, eu me conecto muito mais fortemente com ele através da leitura, em nada importa se é realista ou de fantasia. Acredito que esse tenha sido um dos motivos pelo quais não li praticamente nada em 2013 (sim, acontece! rs).

Mas, além de ter terminado a terceira parte de O Senhor dos Anéis no comecinho do ano, fiz, porém, uma leitura que, não tenho medo de dizer, me valeu pelo ano inteiro: A História sem Fim, de Michael Ende. O momento que escolhi para ler esse clássico da fantasia alemã fez com que meu contato com a narrativa fosse tão intenso quanto poderia. Espero que tenham gostado da minha resenha (que na verdade deveria ter sido feita em forma de vídeo, mas ainda não cheguei no nível que espero de mim, paciência!) e que ela tenha ajudado a sinalizar que tem alguém aqui, disposto a continuar o blog e a amizade com todos e todas que me leem. ❤

Há quilos de livros novos que ainda não mostrei; alguns, inclusive, já lidos. Pensei em acabar com o blog e começar outro, mas não seria justo deixar pra trás tudo que eu registrei e compartilhei aqui, por isso, a ideia é continuar.

Um obrigada sem fim aos novos leitores que ganhei esse ano (apesar de tudo!), aos que continuam insistentemente vindo aqui apesar da ausência de posts, a quem me cobra por atualizações.

Eu acho que nunca se deve trocar um dia fantástico por uma leitura, por melhor que seja. Por isso, desejo a todo mundo um 2014 cheio de dias fantásticos… e de leituras fantásticas quando eles, por algum motivo, não acontecerem para vocês.

Um grande abraço, e até breve!

Etc: Não passarás!, uma breve reflexão sobre a questão C. Tolkien e Peter Jackson

26 de outubro de 2013

Essa célebre frase, dita por um certo mago Gandalf ao Balrog (demônio de chamas) que tentava barrar seu caminho nas Minas de Moria, foi a primeira coisa que me veio à cabeça quando pensei mais profundamente sobre a polêmica que envolve Christopher Tolkien, único herdeiro vivo de J.R.R. Tolkien, e Peter Jackson, diretor da saga cinematográfica O Senhor dos Anéis e, mais recentemente, O Hobbit.

Os fãs mais hardcore da obra de Tolkien certamente já sabem quando tudo isso veio à tona: foi nesta entrevista dada por Christopher ao Le Monde, em 2012, quarenta anos após a morte do pai, em que faz declarações amargas acerca da produção do cineasta. Para ele, Peter Jackson “…destripou o livro, fazendo um filme de ação para jovens de 15 a 25 anos de idade” (opa, velhos também gostam de uma ação boba, Sir!), e também acha que o “nível de comercialização reduz a nada o significado estético e filosófico da obra”.

Não vou ficar do lado de Christopher, tampouco do de Jackson, embora eu consiga compreender com bastante clareza o que o primeiro sente. Para ele, um ex-acadêmico de Oxford, ver a obra do pai metamorfoseada ao gosto dos mais célebres mestres do entretenimento da nossa era deve, no mínimo, ser um espinho no coração. Diversas vezes depois de ter lido a magnum opus (em nível de popularidade, obviamente) do autor, escondi o rosto ao perceber, nos filmes, algumas hollywoodizações exageradas cujo feeling simplesmente não foi concebido por Tolkien.

Daí, tempos depois, com uma ajudinha básica de teorias de tradução na Universidade, me veio a conclusão que deveria ser óbvia para todo mundo: sim, é claro que ali há coisas que Tolkien jamais concebeu ou pensaria em conceber, simplesmente porque aquilo não é um Tolkien. É uma outra obra, de um outro artista que, por escolha (ou azar, como queiram), teve sua base nele. Porém, isso não vai fazer com que se misturem e formem um todo. Tolkien é Tolkien, e Jackson é Jackson. E tem uma boa notícia para Christopher e para todos nós, prefiramos os romances ou os filmes: Nunca, jamais serão a mesma coisa.

Porque, sim, existem aos montes pessoas que ignoram que O Senhor dos Anéis é um título também literário além de cinematográfico, e que se recusam a ler o romance de mesmo título mesmo tendo gostado dos filmes. Mas, e então? O que podemos fazer? Sair na rua distribuindo panfletos de “Você sabia..?”, isso até podemos. Mas obrigá-los a ler a obra e fazê-los descobrir o teor dela, não; até porque, volto a dizer, ela é substancialmente diferente, e não poderia ser de outra forma. Não espanta que haja fãs e defensores ferrenhos dos livros que detestam os filmes, e vice-versa. O mais famoso já lhes apresentei no início do texto…

Uma coisa é certa: o nome de Tolkien cresceu para além da própria obra, e não há mais como retroceder quanto a isso. Os direitos já estão vendidos, pelo próprio Tolkien, cuja motivação mais íntima nunca saberemos. Lamente ou não a esolha seu filho Christopher, ele sabe que a luta no sentido de proteger a “aura” da obra do pai não está funcionando como queria.

P.S.: Tenha Christopher assistido ou não aos filmes, há algo neles que jamais poderia considerar um desserviço à memória da obra do pai, na minha opinião: é a trilha sonora estupenda de Howard Shore. Basta ouvir The Lord of the Rings Symphony, composta de seis movimentos, um para cada livro (como Tolkien chamou cada uma de suas “metades” das três partes do romance, o que denuncia que a obra literária foi a principal inspiração do músico). É uma peça atemporal que já se tornou um clássico do nosso tempo! Confiram:

Espero que tenham sido levados a pensar um pouco nessa questão tão pertinente à cultura lítero-cinematográfica da modernidade com o texto. Fiquem à vontade para opinar, e até a próxima!

Resenha: A Última Quimera [romance]

20 de outubro de 2013

Autora: Ana Miranda
Introdução: –
Ano da publicação original: 1995
E
ditora: Companhia das Letras
ISBN: 8571644543
323 páginas

Avaliação:

Li pela primeira vez A Última Quimera quando havia acabado de entrar no curso de Letras, na carona do encanto que senti por Dias e Dias, também da autora, lido justamente por estar na lista para o Vestibular da Universidade Federal do Ceará à época. Aqui, a autora cearense (que orgulho!) recria a morte do poeta paraibano Augusto dos Anjos através da narrativa de um amigo íntimo inominado que nos conta, em flashback, sobre a biografia do artista e de seus contemporâneos mais ilustres, a exemplo de Olavo Bilac.

A  ficção histórica da autora, fórmula que a tornou célebre no cenário literário do Brasil, nos faz sentir no olho do furacão da aura soturna e brilhante de Augusto dos Anjos, ao mesmo tempo em que nos convida a contemplar os cenários de um Rio de Janeiro e de uma pequena Leopoldina da Primeira República que parecem, também, respirar do mesmo ar melancólico que exala o poeta do Eu.

O romance é dividido em quatro partes de capítulos muito curtos. A narrativa em primeira pessoa, intimista e confessional, nos torna bem próximos do narrador e, enquanto ele solta as amarras de uma imaginação bastante fértil, conhecemos, através do que ele diz, sabe ou pensa, tanto a vida cotidiana das ruas, praças e casas quanto seus pensamentos mais íntimos acerca de tudo, inclusive da vida do protagonista e de sua esposa, Esther, a quem ele diz amar. Há inúmeras referências aos poemas de Augusto dos Anjos, sendo a primeira delas já o título, o que nos dá uma curiosa sensação de déjà vu a cada reconhecimento.

Um dos trechos mais bonitos, no qual a autora demonstra toda a sua maestria poética, é este, em que o narrador acaba de assistir ao enterro do poeta. Ele começa, então, a refletir sobre a condição post mortem de Augusto, quase num delírio:

Está a escalar os céus e os apogeus, conversando com Deus e ouvindo Sua voz cavernosíssima, que antes escutava apenas no uivo dos ventos nos arvoredos, no farfalhar dos galhos do tamarindeiro. Seu corpo está, agora, tão escondido quanto sempre quis, em sua renúncia budística do mundo. Encontra-se diante da sombra do mistério eterno, sendo sugado por uma boca sôfrega que lhe esvazia a carne , que o transformará em ossos e depois em cinzas. Está caindo, caindo, caindo num abismo. Ou ascende, flutua,  voa como um pássaro de grandes asas? Ouve a voz da alma das coisas? Entra nas cavernas das consciências? Existe mesmo a paz funérea? Dói seu crânio? p.191

Acabou que minha releitura teve muito menos de “re” do que eu pensava, foi como se eu já tivesse lido apenas trechos da obra. É um romance extremamente denso, difícil de ser absorvido. Não há esperanças nas páginas de A Última Quimera, assim como nos versos de Augusto dos Anjos. Mas, para alguns, como para o narrador, estamos diante da “arte tal como ela é, expressão das partes profundas do ser, não cupidinhos nus tangendo liras.” (p. 195)

Foi como se fizesse uma viagem poética no tempo e espaço para seguir os rastros de Augusto, embora não pudesse ouvir muito claramente sua voz. Não escapei incólume (ainda bem!).

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