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Resenha: A Última Quimera [romance]

20 de outubro de 2013

Autora: Ana Miranda
Introdução: –
Ano da publicação original: 1995
E
ditora: Companhia das Letras
ISBN: 8571644543
323 páginas

Avaliação:

Li pela primeira vez A Última Quimera quando havia acabado de entrar no curso de Letras, na carona do encanto que senti por Dias e Dias, também da autora, lido justamente por estar na lista para o Vestibular da Universidade Federal do Ceará à época. Aqui, a autora cearense (que orgulho!) recria a morte do poeta paraibano Augusto dos Anjos através da narrativa de um amigo íntimo inominado que nos conta, em flashback, sobre a biografia do artista e de seus contemporâneos mais ilustres, a exemplo de Olavo Bilac.

A  ficção histórica da autora, fórmula que a tornou célebre no cenário literário do Brasil, nos faz sentir no olho do furacão da aura soturna e brilhante de Augusto dos Anjos, ao mesmo tempo em que nos convida a contemplar os cenários de um Rio de Janeiro e de uma pequena Leopoldina da Primeira República que parecem, também, respirar do mesmo ar melancólico que exala o poeta do Eu.

O romance é dividido em quatro partes de capítulos muito curtos. A narrativa em primeira pessoa, intimista e confessional, nos torna bem próximos do narrador e, enquanto ele solta as amarras de uma imaginação bastante fértil, conhecemos, através do que ele diz, sabe ou pensa, tanto a vida cotidiana das ruas, praças e casas quanto seus pensamentos mais íntimos acerca de tudo, inclusive da vida do protagonista e de sua esposa, Esther, a quem ele diz amar. Há inúmeras referências aos poemas de Augusto dos Anjos, sendo a primeira delas já o título, o que nos dá uma curiosa sensação de déjà vu a cada reconhecimento.

Um dos trechos mais bonitos, no qual a autora demonstra toda a sua maestria poética, é este, em que o narrador acaba de assistir ao enterro do poeta. Ele começa, então, a refletir sobre a condição post mortem de Augusto, quase num delírio:

Está a escalar os céus e os apogeus, conversando com Deus e ouvindo Sua voz cavernosíssima, que antes escutava apenas no uivo dos ventos nos arvoredos, no farfalhar dos galhos do tamarindeiro. Seu corpo está, agora, tão escondido quanto sempre quis, em sua renúncia budística do mundo. Encontra-se diante da sombra do mistério eterno, sendo sugado por uma boca sôfrega que lhe esvazia a carne , que o transformará em ossos e depois em cinzas. Está caindo, caindo, caindo num abismo. Ou ascende, flutua,  voa como um pássaro de grandes asas? Ouve a voz da alma das coisas? Entra nas cavernas das consciências? Existe mesmo a paz funérea? Dói seu crânio? p.191

Acabou que minha releitura teve muito menos de “re” do que eu pensava, foi como se eu já tivesse lido apenas trechos da obra. É um romance extremamente denso, difícil de ser absorvido. Não há esperanças nas páginas de A Última Quimera, assim como nos versos de Augusto dos Anjos. Mas, para alguns, como para o narrador, estamos diante da “arte tal como ela é, expressão das partes profundas do ser, não cupidinhos nus tangendo liras.” (p. 195)

Foi como se fizesse uma viagem poética no tempo e espaço para seguir os rastros de Augusto, embora não pudesse ouvir muito claramente sua voz. Não escapei incólume (ainda bem!).

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8 Comentários leave one →
  1. 27 de outubro de 2013 20:15

    Esse livro deve ser lindo. Adoro livros que falam sobre os círculos literários do Brasil, mas ainda preciso ler “Eu”, que, por sinal, tenho em casa, rs.
    beijo grande

    • 29 de outubro de 2013 18:14

      Isso eu lhe garanto que é mesmo, Maira.

      Se gosta do Romantismo brasileiro, recomendaria Dias e Dias dela, meu primeiro amor da autora. rs

      Seja bem-vinda! ;*

  2. 24 de outubro de 2013 17:07

    Parabéns pela resenha Jéssica, ficou excelente!

    Na verdade, muitos novos leitores conheceram, felizmente, a qualidade literária de Ana Miranda com Dias e Dias, que permaneceu por alguns anos na lista de livros para o vestibular da UFC, Também tenho um baita orgulho de ter ela como autora cearense. Seus livros são incríveis tem termos de enredo temática.

    Continue o trabalho. Acompanhando sempre. Bjs

    • 24 de outubro de 2013 17:32

      Obrigada, Sérgio!

      Eu me apaixonei por Dias e Dias na hora, nem senti que tava lendo pra uma prova…

      Até a próxima, abraço! ;]

  3. 21 de outubro de 2013 7:24

    Jéssica, excelente resenha! Pelo trecho já se percebe que é um livro mais denso, achei complicado mesmo, tem um quê poético que sempre me deixa em suspenso tentando entendê-lo…. Não conhecia a autora, vou anotá-la aqui, todo bom leitor gosta de “uma boa briga”, rs.

    • 26 de outubro de 2013 20:13

      Obrigada, Luciano!

      E anote mesmo, principalmente se curte ficção histórica… o melhor é que é tudo brasileiríssimo!

      ;*

  4. 20 de outubro de 2013 22:03

    Deu vontade de ler agora! O trecho que você destacou me tocou muitíssimo, me remeteu ao rio mitológico Aqueronte (rio do infortúnio), um afluente do rio Styx, este localizado no mundo dos mortos. A voz das almas, o flutuar, o cair, a dor. A travessia que todos faremos um dia, no contemplar sôfrego de Ana Miranda. Mais uma leitura que vai para a minha lista. Obrigada, Jéssica!

    • 21 de outubro de 2013 17:17

      De nada, flor. ^^”

      Olha que eu pensei que você não fosse curtir…! Ana Miranda é sempre fantástica, feliz por ter deixado um pedacinho tão imenso desse romance pra você conferir.

      Abraço!

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